Uma slow bakery em Curitiba


 

Publicado em 01.11.13 por Jussara Voss

http://www.revistaideias.com.br/?/gastronomia/994/uma-slow-bakery-em-curitiba/&PHPSESSID=4f72667541c0e95cba7d06181faa323d

Cinco voltas ao redor do mundo depois, o sonho tornou-se realidade, e eis que surge a La Panoteca. Quem entra ali, desavisado, não imagina como tudo aconteceu, vê o vai e vem de interessados pelos belos pães na vitrine, clientes degustando um sanduíche de chivito bem ao estilo uruguaio, por exemplo, sente no ar um refinamento low profile, elegante e simples ao mesmo tempo, e pode facilmente concluir que era por um espaço assim que Curitiba ansiava há muito tempo. Como se voltássemos no tempo, a começar pelo horário de atendimento, a padaria abre às 16h, isso mesmo, e fecha às 20h, tudo para que o alimento que fermenta ali possa crescer sossegado. E, quer saber, o pão é tão bom, mas tão bom, que nos dias seguintes, se aquecido, fica melhor ainda, ninguém precisa mesmo madrugar para ter bons produtos em sua casa.

O lugar impressiona, fiquei fascinada pelos pães de fibras integrais de fermentação natural – com o chamado levain – e pelo bolinho com doce de leite na primeira prova. Pelo menos, 15 tipos de pães estão a nos desafiar diariamente, exceto aos domingos e feriados, num repertório de mais de 25, inspirado nas danças das estações, nas experiências do padeiro e nas datas comemorativas, influenciando as fornadas.

Os donos propõem um desaceleramento, como se isso fosse possível nos nossos dias apressados, e não é que conseguem? Também valorizam o simples e gostam de comer bem. Buscam o equilíbrio e uma comida saudável. Acham que o gosto deve ser refinado, como aconteceu nessas paragens com o vinho e, agora, com a cerveja, então, procurar bons pães será apenas uma questão de tempo. Também carregam experiência, construída com muito trabalho. Um dia, pensaram que seria possível concretizar tudo o que acreditavam. Eles são Claudine e Oscar Luzardo, os donos da La Panoteca, que funciona, para o meu desespero, do outro lado da cidade, lá para os lados do parque Barigüi. “Que graça teria se fosse tudo fácil”, provoca, ouvindo o meu lamento.

Comida da antiguidade, está na Bíblia: “E farás pão com farinha de trigo bem fina, sem fermento”, isso porque, na véspera do êxodo, quando partiriam do Egito rumo à Terra Prometida, não teriam tempo para esperar crescer o pão, assim foi feito e é como é lembrado até hoje na chamada Páscoa do povo judeu; nos demais dias, o pão precisa do tempo de crescimento porque é nesse processo que as enzimas são liberadas pela ação dos micro-organismos e se dá o aproveitamento dos nutrientes, tornando-se um alimento completo e saudável, se feito com fermento natural e sem adição de bromatos e gorduras vegetais, que mascaram o produto. Depois vieram os irmãos Fleischmann longe de casa e com saudades dos pães da mãe e tentaram mudar tudo.

Mas o segredo da qualidade está mesmo na fermentação natural, que é lenta, tem seus caprichos, porém, com um resultado infinitamente melhor. O processo, que leva de quatro a oito horas, “alguns até dois dias”, conta o padeiro, é o que influi na porosidade, no sabor e na crocância do pão.

A história das cinco voltas em torno da terra começou por acaso, com uma amiga querendo arranjar uma namorada para o Oscar, “porque ele andava muito chato”. A paixão foi quase imediata e recíproca, só que, trabalhando em multinacionais, viajavam muito e moravam em cidades diferentes. Ele, uruguaio, da área de marketing e vendas na indústria de panificação, ela, paulista, engenheira de alimentos. Nos intervalos que a vida deu e nas férias, antes do casamento, um tempo morando no exterior, muitos cursos na Europa, passando inclusive pela famosa Le Cordon Bleu, de Paris, e em escolas curitibanas, além de visitas às feiras internacionais para se atualizarem nas novidades da área. Assim, foram planejando todos os passos até a escolha da cidade para a construção da La Panoteca e para morar com o filho, que completou a família, como nas românticas histórias de amor. “Nada acontece de um dia para o outro”, atesta Oscar, que sabe que a falta de pão pode deixar qualquer um com mau humor, sei disso, e que, diferentemente do que pensa a maioria, não engorda, pois são as fibras que ajudam a saciar a fome e prevenir doenças.

Da Bíblia também vem a origem de alimento sagrado, quando Jesus partiu o pão e deu aos seus discípulos como símbolo do seu próprio corpo. Para o casal, o respeito e a paixão pela vocação de fazer pães está na tradição e no resgate da panificação europeia e familiar. A prova disso é que na La Panoteca estão pães regionais de Portugal e do Uruguai, além de outros países por onde andaram e de onde vêm os laços familiares. Na conversa, Oscar vai contando uns segredos, como o de misturar vários tipos de farinhas, e das diferentes temperaturas que darão aroma e sabor, revelando que apesar de o trigo local ter melhorado, o produto da Argentina e do Uruguai ainda é melhor. Por isso, quem for até a La Panoteca encontrará pães e doces saborosos e simples. O casal acredita no que faz, persegue a ideia de que é possível ser feliz, mantendo o equilíbrio na vida, e aposta que o consumo de pão deva aumentar; de acordo com Oscar, estamos longe do preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é, no mínimo, de 60 kg por ano. E eu me pergunto, sendo mais saboroso e saudável, por que então não comemos mais pães naturais?

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